Por: Davi Canassa •
Nos últimos anos, o tema clima preenche a maioria das cadeiras – se não todas – nas conferências, no mundo financeiro, nos investimentos em ESG (Ambiental, Social e Governança). Tanto que é quase ‘CSG’, sendo o clima a preocupação majoritária. Não à toa. A emergência do tema é inquestionável.
Porém, a crise climática não é a única ameaça ambiental. Em apenas 29 anos, danos aos ecossistemas florestais, aquáticos e à biodiversidade podem gerar perdas de US$ 10 trilhões a economia global, como prevê o relatório Global Future do WWF (World Wide Fund for Nature), além de impactos nas atividades extrativistas, diminuição de recursos naturais, desastres ambientais e zoonoses, tal como a pandemia de COVID-19 que assola o mundo.A presença da biodiversidade nos debates climáticos ainda não tem a dimensão que deveria, em parte, pela falta do fortalecimento de uma agenda para incluir o tema. Há estudos que mostram o papel da fauna e flora na mitigação das mudanças climáticas, desde a saúde das florestas à dispersão de sementes pelos animais, porém falta maior conexão quando pensamos em escala global.
Temos dados abrangentes dos riscos financeiros decorrentes do aquecimento global, por exemplo. Então, sabemos a importância de evitar o aquecimento global no máximo a 4,5ºC, pois os modelos mostram os impactos que acontecem acima desse valor. Mas, se a biodiversidade tivesse um padrão de comparação monetário, tal como foi criado com os créditos de carbono, quanto seria seu valor na bolsa de valores? Não temos essa resposta, ainda. O que sabemos, porém, com uma robusta lista de dados, é o valor dos ecossistemas com os serviços ambientais, principalmente na disponibilidade hídrica e regulação do clima.
Carbono é um tema que muitas pessoas conseguiram entender e virou negócio. A biodiversidade e o seu contexto nos diferentes ecossistemas ainda é uma incógnita para a maioria das pessoas. Grande parte da população do mundo vive em cidades, longe das áreas naturais, e não tem a percepção da dependência que temos dos serviços ecossistêmicos para o planeta manter um estoque de genes, que propiciam a vitalidade, saúde e o funcionamento de diversos ciclos naturais dos quais dependemos para existir.
Se apresenta como um dos grandes desafios na proteção da biodiversidade – e na mitigação das mudanças climáticas – o uso responsável do solo. No Brasil, por exemplo, a Mata Atlântica resiste com 12,5% da sua cobertura original. Investir nos remanescentes do bioma é o meio mais efetivo da conservação da biodiversidade. Mas o investimento se torna mais atrativo quando, além de ser um seguro para o futuro, tem perspectiva de retorno em médio e longo prazo.
Dentre os exemplos do que pode ser feito, está o Legado das Águas, maior reserva privada de Mata Atlântica do país, localizada no Vale do Ribeira paulista. Com 31 mil hectares, 75% da área é composta por floresta primária, composição que se tornou um berço e refúgio para espécies raras e ameaçadas de extinção.
Ao mesmo tempo em que é um privilégio a existência desse território, a responsabilidade em gerir a biodiversidade presente no Legado das Águas moldou o desenvolvimento de um modelo de negócio que é parte da resposta em como incluir a biodiversidade no “Econômico” do ESG, e um caminho para ampliar a agenda do tema na busca de soluções para as mudanças climáticas. Em oito anos de existência, atuando nas frentes transversais de pesquisa científica, produção vegetal de espécies nativas e uso público (sobretudo o ecoturismo), a Reserva tem mostrado que é possível gerar recurso com a produção de natureza, ou seja, a floresta em pé gerar ganhos para proteger seus ecossistemas e biodiversidade.
Em destaque, a fauna catalogada no Legado representa 13,5% de todas as espécies animais ameaçadas do bioma no Brasil. Na flora, a Reserva mantém um importante Centro de Biodiversidade com o Viveiro de Espécies nativas atlânticas. É uma iniciativa inédita no país, com a produção e banco genético de plantas raras e em perigo de extinção da flora nativa, que as destina para reflorestamento e projetos paisagísticos em centros urbanos. O modelo de negócio aplicado no Legado das Águas não só tem se mostrado viável, mas replicável.
Muitas pessoas preocupadas perguntam o que devemos fazer, quando na verdade, já temos modelos factíveis do que podemos fazer. Ao refletir sobre o papel dos ecossistemas para sobrevivência humana, entendemos que a biodiversidade também é clima, e precisa ocupar seu lugar de direito – e necessidade – na agenda das mudanças climáticas.
*Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo em 21 de março de 2021. David Canassa é diretor da Reservas Votorantim, empresa da Votorantim S.A, especializada em gestão de territórios e soluções baseadas na natureza para negócios tradicionais e da nova economia.